Qual é a Diferença entre Acúmulo e Desvio de Função?
No Brasil, o Direito do Trabalho busca equilibrar as necessidades de trabalhadores e empregadores, estabelecendo regras claras para que ambos tenham segurança nas relações de trabalho. Uma das áreas de maior conflito é o que chamamos de “função”, ou seja, as atividades que o trabalhador deve executar no dia a dia. Em algumas situações, os trabalhadores acabam assumindo tarefas que não estavam inicialmente previstas em seus contratos, caracterizando o acúmulo ou o desvio de função.
Essas situações podem levar o trabalhador a realizar mais atividades do que o combinado ou a atuar em uma função que não corresponde ao seu cargo inicial. Saber a diferença entre acúmulo e desvio de função, entender o que diz a legislação e conhecer os passos a seguir é fundamental para proteger os direitos trabalhistas.
O Que é Acúmulo de Função?
O acúmulo de função ocorre quando um trabalhador é contratado para uma função específica, mas, durante o período de trabalho, é requisitado a desempenhar funções adicionais que não estavam previstas em seu contrato inicial. Nesse caso, o trabalhador passa a exercer atividades de mais de uma função sem receber uma compensação adicional.
O acúmulo de função pode representar uma sobrecarga de atividades, exigindo que o trabalhador utilize novas habilidades ou dedique mais tempo para desempenhar todas as suas tarefas, impactando sua rotina e muitas vezes sua saúde física e mental.
Exemplos Práticos de Acúmulo de Função:
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Varejo: um atendente de loja que, além de realizar vendas, precisa cuidar do caixa, organizar o estoque e abrir e fechar o estabelecimento diariamente.
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Área administrativa: um recepcionista que também realiza atividades de um assistente administrativo, incluindo a elaboração de relatórios e a organização de documentos que não estavam descritas no contrato.
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Educação: um professor contratado para lecionar em uma determinada disciplina que, posteriormente, é solicitado a ministrar aulas de outra disciplina sem qualquer reajuste salarial.
Esses exemplos ajudam a identificar situações em que o trabalhador passa a acumular responsabilidades que fogem ao seu contrato inicial, o que pode caracterizar o acúmulo de função.
O Que Diz a Legislação Sobre o Acúmulo de Função?
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não possui uma regulamentação específica sobre o acúmulo de função. No entanto, a Justiça do Trabalho analisa esse tipo de caso com base no princípio da “boa-fé” contratual e no respeito aos direitos básicos do trabalhador. Caso o acúmulo de função seja comprovado, o trabalhador pode ter direito a um acréscimo salarial proporcional às atividades adicionais desempenhadas.
A análise judicial se baseia em:
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Contrato original de trabalho: avalia-se se o contrato estabelece as atividades previstas para o trabalhador.
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Diferença entre atividades contratadas e realizadas: se as atividades adicionais exigirem habilidades e conhecimentos diferentes, o juiz pode considerar que houve acúmulo.
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Carga de trabalho e sobrecarga: se as atividades acumuladas aumentam significativamente a carga de trabalho, isso também pode ser um critério relevante.
Critérios de Comprovação do Acúmulo de Função:
Para caracterizar o acúmulo de função, são levados em conta:
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A função contratada e as novas atividades assumidas.
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A sobrecarga de trabalho causada pelo acúmulo.
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Testemunhas ou documentos que comprovem as tarefas adicionais
O Que é Desvio de Função?
O desvio de função ocorre quando um trabalhador é contratado para um cargo específico, mas passa a exercer atividades de outro cargo, sem a remuneração correspondente ao novo posto. Nesses casos, o trabalhador pode acabar realizando funções de uma posição hierarquicamente superior (ou que demanda um conjunto de habilidades distintas) sem receber por essa responsabilidade adicional.
O desvio de função é uma prática que pode gerar insatisfação e até mesmo desgastes emocionais, pois o trabalhador se vê executando atividades que não correspondem ao seu cargo, enquanto a remuneração permanece inalterada.
Exemplos Práticos de Desvio de Função:
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Setor de vendas: um vendedor que passa a coordenar uma equipe, assumindo responsabilidades de um supervisor, mas continua recebendo como vendedor.
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Indústria: um operador de máquinas que passa a realizar atividades de supervisão ou treinamento, sem o devido reconhecimento financeiro ou formal.
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Escritório administrativo: um assistente administrativo que passa a executar atividades de analista ou coordenador, incluindo relatórios complexos e decisões estratégicas.
O Que Diz a Legislação Sobre Desvio de Função?
A CLT não possui um dispositivo específico para o desvio de função, mas a jurisprudência tende a proteger o trabalhador nesses casos. Quando comprovado o desvio, o empregador pode ser obrigado a reajustar a remuneração do empregado de acordo com a função que realmente desempenha, equiparando-o ao salário do cargo exercido.
A análise judicial considera aspectos como:
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Descrição original do cargo: a comparação entre as atividades do cargo contratado e as atividades realmente realizadas pelo trabalhador.
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Prova documental e testemunhal: documentos que mostrem a responsabilidade do trabalhador por atividades de outro cargo e testemunhas que confirmem o desvio.
Critérios de Comprovação do Desvio de Função:
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Diferença entre as atividades contratadas e realizadas.
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Nível de responsabilidade das novas tarefas.
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Documentos, ordens de serviço e e-mails que comprovem o desvio.
Diferenças Entre Acúmulo e Desvio de Função:
Aspecto: |
Acúmulo de Função. |
Desvio de Função. |
Definição: |
O trabalhador realiza atividades de mais de uma função, sem compensação. |
O trabalhador executa uma função distinta da que foi contratada. |
Exigência de habilidades: |
Necessita habilidades adicionais sem remuneração extra. |
Necessita habilidades e responsabilidades do novo cargo. |
Compensação: |
Pode haver direito a adicional salarial. |
Pode gerar direito à equiparação salarial. |
Comprovação: |
Contrato original e atividades de outra função. |
Função contratada x função exercida. |
Como o Trabalhador Pode Proceder em Casos de Acúmulo ou Desvio de Função?
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Documentação: o trabalhador deve reunir provas das atividades que realiza, como e-mails, ordens de serviço ou testemunhos, que confirmem as atividades extras ou diferentes das contratadas.
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Diálogo com o empregador: muitas vezes, o primeiro passo mais indicado é tentar uma conversa com o empregador para esclarecer as funções e verificar a possibilidade de um ajuste no cargo ou na remuneração.
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Análise do contrato: verificar o contrato de trabalho e comparar as funções descritas com as atividades efetivamente realizadas.
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Consulta com especialista: procurar um advogado trabalhista ou um sindicato da categoria para avaliar o caso e entender quais são as opções legais.
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Ação na Justiça do Trabalho: caso não haja um acordo, o trabalhador pode, com o apoio de um advogado, ajuizar uma ação trabalhista para pedir o reconhecimento do acúmulo ou desvio de função e a remuneração adicional devida.
O Que Esperar de uma Ação Trabalhista Nesses Casos?
As decisões sobre acúmulo e desvio de função são baseadas em cada situação específica. É importante lembrar que a Justiça do Trabalho não garante automaticamente ganhos financeiros ou equiparações salariais. A decisão depende de provas, do entendimento do juiz e da análise das funções exercidas.
Conclusão:
Entender a diferença entre acúmulo e desvio de função é essencial para trabalhadores e empregadores, pois situações como essas podem gerar conflitos trabalhistas. Ainda que a legislação não trate esses casos de forma específica, a jurisprudência permite que o trabalhador reivindique uma compensação, desde que consiga comprovar as atividades adicionais ou desviadas.
Por fim, é recomendável que o trabalhador mantenha um diálogo transparente com o empregador e consulte um(a) advogado(a) de Direito do Trabalho para avaliar as melhores estratégias antes de iniciar qualquer ação.

Referências:
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Portal do Governo Federal – Legislação Trabalhista: www.gov.br
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Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): disponível no site do Planalto
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Tribunal Superior do Trabalho (TST): www.tst.jus.br
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Portal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE): www.gov.br/trabalho